Dois amigos, Humberto e Murilo, realizam uma viagem de 1600 quilômetros para filmar um documentário acerca do trecho mineiro da Rio-Bahia (antiga BR-4 e atual BR-116). Desde Divisa Alegre (fronteira à Bahia) até Além Paraíba (divisa com o Estado do Rio), registram histórias narradas por andarilhos, prostitutas, caminhoneiros, professoras, crianças, donas de casa, trabalhadores rurais, lavadeiras e muitos outros personagens que vivem nas cidades às margens ou próximas da estrada.
Antes e durante as filmagens, reúnem farto material, incluindo cópias de textos extraídos de livros, folhas manuscritas e datilografadas, recortes de jornais e revistas, registros de diálogos, impressos variados, bilhetes e anotações diversas, desenhos, fotografias, souvenirs de numerosos tipos e alguns outros itens. Foi este material, guardado em três caixas de papelão, que Humberto entregou a Fernando Fiorese em 2012, alguns meses após o trágico acidente que interrompeu as filmagens na altura de Além Paraíba e determinou que o documentário jamais fosse concluído.
O romance "Um chão de presas fáceis" (selo Escrituras) é o resultado do trabalho de seleção e organização deste cúmulo de papéis e das histórias registradas no documentário. E foi realizado conforme os indicativos do roteiro e as informações fornecidas por Humberto, com o objetivo de encontrar um arranjo semelhante à proposta do filme inacabado. Quanto à identidade dos verdadeiros autores de Um chão de presas fáceis, Fiorese não dá muitas pistas: “Posso dizer apenas que um nasceu em Cataguases e o outro morou em Juiz de Fora. O próprio Humberto me pediu para não revelar nada mais do que isto”.
Assim, embora se diga apenas um compilador de material alheio, Fernando Fiorese nos guia nesta viagem vertiginosa pelas margens perigosas e plurais da Rio-Bahia, apresentando aos leitores outra Minas Gerais, raras vezes incluída no mapa das representações literárias das regiões brasileiras.
Às histórias contadas pelos moradores das cidades atravessadas pela Rio-Bahia ou próximas e registradas pela câmera dos documentaristas Humberto e Murilo, Fernando Fiorese acrescentou cartas, registros históricos, citações, notícias de jornal, diálogos soltos, aforismos e outros textos que constavam daquelas caixas de papelão. O caráter fragmentário, múltiplo, descontínuo e inacabado do livro favorece a acoplagem de tempos e espaços, os cortes e as elipses, recursos típicos da técnica da montagem cinematográfica. Ao modo do documentário que o romance pretende simular, Fernando Fiorese constrói um caleidoscópio de narrativas e outras muitas formas textuais, apresentando uma realidade histórica e social de tal modo estilhaçada, múltipla e singular que apenas as vozes de seus próprios habitantes pode revelar.
280 páginas
Autor: Fernando Fiorese
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